sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Projetada para carros, São Paulo submerge

.

Impermeabilização e construção de avenidas de fundo de vale e de córregos sanfonados “afundam” a cidade no caos 05/02/2010

Eduardo Sales de Lima

As seguidas gestões, seja do governo estadual ou da prefeitura, pavimentam as ruas da cidade de São Paulo segundo o desenvolvimento de um modelo que prioriza carros. Desde meados do século 20, o “projeto” urbanístico da metrópole não leva em conta o curso das águas, mas sim dos automóveis. Hoje, o erro se repete. Uma das principais obras do governo paulista de José Serra (PSDB) é a ampliação das vias da Marginal Tietê; mais um erro na visão de especialistas.

O objetivo do poder público é fomentar dois sonhos de consumo impostos pelo estilo da classe média: o carro e o apartamento; o que intensifica o foco das obras públicas voltadas à locomoção rodoviária. Isso é o que pensa o sociólogo Tiaraju D’Andrea, autor da dissertação de mestrado “Nas tramas da segregação: O real panorama da pólis”.

Ele critica a “irracionalidade” da produção da elite paulista, que construiu avenidas sobre todos os rios e córregos da cidade. “Mais carros na rua, mais asfalto, mais avenidas, mais impermeabilização”, conclui.

Marginais

A ampliação das vias marginais do rio Tietê, por exemplo, revela a insistência de erros cometidos há 70 anos, de acordo com a urbanista e professora da USP, Ermínia Maricato. Para ela, ampliar a Marginal, extremamente vulnerável a alagamentos, é de uma irracionalidade do ponto de vista ambiental e da macrodrenagem que não tem explicação. “Fala-se em fazer parques lineares, mas duplica-se a Marginal do Tietê, lugar natural de espraiamento das águas dos rios. As ações são casuísticas e obviamente obedecem a agendas eleitorais”, lembra.

De acordo com ela, a duplicação das marginais vai aliviar durante um ano o fluxo de automóveis, depois voltará a condição de terror. Esse modelo, segundo Maricato, tem sido copiado inclusive por cidades de porte médio, com as marginais à beira de rios, que é o espaço restante da urbanização.

Concreto e lixo

Além de haver um sub-planejamento à reboque dos anseios da cultura automobilística, os córregos sanfonados em geral estão nos vales, cercados de taludes (solo íngreme), sendo seguidos por vias asfaltadas.

“Infelizmente não há o controle sobre o uso do solo, que continua sendo impermeabilizado. As avenidas de fundo de vale, o tamponamento de córregos para ampliar as vias para o automóvel e as marginais contribuem para um modelo que impermeabiliza crescentemente o solo e aumenta a velocidade com que as águas correm para as calhas naturais”, explica Maricato. Sobre os piscinões, ela considera como “solução de emergência”, mas muito discutíveis.

Assoreada

Somado aos erros da falta de planejamento, ainda existe o assoreamento dos rios na cidade. Para se ter uma ideia, mesmo com a ampliação da calha (leito) do rio do Rio Tietê, é impossível controlar o fluxo de tanto lixo e material sólido nos rios da cidade de São Paulo. O urbanista Jorge Wilheim, disse, em entrevista ao programa Canal Livre, da Rede Bandeirantes, que o Tietê foi projetado num afundamento da calha para mil metros cúbicos por segundo, entretanto, no fim de janeiro, na altura da Ponte da Casa Verde, estavam passando 850 metros cúbicos por segundo. Isso porque, segundo afirmou no programa, “são milhares de toneladas de terra que são carregadas, sem falar dos entulhos, dos pneus e das kombis que podem estar lá”.

Segundo Wilheim, o trabalho de desassoreamento por parte do poder público precisa ser incessante e “conviria realmente conhecer se nos últimos quatro anos foi feito esse trabalho ou não”.

Não foi. No final de 2009, uma reportagem do jornal Agora mostrou que a limpeza da calha dos rios Tietê e Pinheiros caiu 34% na gestão de José Serra, que investiu R$ 48 milhões, em média, contra R$ 72,9 milhões empenhados no último ano de administração de outro ex-governador tucano, Geraldo Alckmin (PSDB).

(Leia mais na edição 362 do Brasil de Fato, já nas bancas)

.

Nenhum comentário: